Consórcio entre empresas sob a ótica da Lei das S.A.: como a norma orienta cooperação entre sociedades

Contexto: o que é consórcio no direito brasileiro

Em termos gerais, o consórcio é uma forma de cooperação entre duas ou mais pessoas jurídicas que se unem para alcançar um objetivo comum, sem a necessidade de constituir uma nova pessoa jurídica com personalidade jurídica própria. No Brasil, a prática é comum em projetos de grande porte, como obras públicas, prestação de serviços complexos ou desenvolvimento de tecnologia, onde cada participante aporta recursos, know-how e contrapartidas específicas. O consórcio pode manifestar-se de diferentes maneiras: por meio de acordos informais de cooperação, por contratos de consórcio com cláusulas bem definidas de participação nos resultados, ou por estruturas societárias mais sofisticadas, como sociedades de objetivo específico (S.O.E.) ou sociedades em conta de participação, quando cabíveis. O essencial, do ponto de vista jurídico, é que o consórcio não cria automaticamente uma nova pessoa jurídica autônoma, mantendo a independência patrimonial de cada participante, ainda que haja coordenação de atividades para o objetivo comum.

Essa configuração de cooperação entre empresas demanda clareza contratual, governança bem definida e regras de responsabilidade, para evitar desvirtuamento do instituto e eventual desconsideração da personalidade jurídica.

Consórcio e a Lei das S.A. (Lei 6.404): o que diz a norma

Como a Lei das S.A. aborda estruturas de cooperação entre sociedades

A Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76) regula as sociedades anônimas, mas também oferece diretrizes relevantes para estruturas de cooperação entre empresas que estejam sob o guarda-chuva de um mesmo grupo ou que atuem de forma coordenada para alcançar objetivos comuns. Entre os aspectos mais relevantes, destacam-se: a governança corporativa, a responsabilização de controladores, e a forma como o grupo de empresas pode se estruturar sem abrir mão da autonomia patrimonial de cada sociedade. A norma reconhece, de modo geral, que sociedades sob controle comum podem atuar de forma integrada para cumprir contratações, licitações, parcerias estratégicas e projetos de grande envergadura, desde que as regras estejam previstas em contratos adequados, com cláusulas de atribuição de competências, responsabilidades, limites de atuação e mecanismos de resolução de disputas. Em termos práticos, o que importa é a clareza sobre qual é o papel de cada participante, como é partilhado o resultado (lucros, perdas e responsabilidades) e como se operam as saídas ou aquisições de participação, caso necessário.

Ao tratar de consórcios entre sociedades, a doutrina e a jurisprudência costumam enfatizar três pilares centrais: a governança compartilhada, a repartição de riscos e a salvaguarda da independência patrimonial de cada empresa. A Lei das S.A. não impede a formação de consórcios, mas impõe que as estruturas de cooperação respeitem a legislação societária, as regras de registro, a transparência de informações para os órgãos de governança, bem como as regras de responsabilidade perante terceiros. Em cenários de leilões ou contratos públicos, por exemplo, é comum que o consórcio participe como um único bloco em termos de obrigação contratual, mas mantenha as entidades integrantes sob seus próprios patrimônios, o que exige uma arquitetura de contrato robusta e, muitas vezes, a adesão a acordos de cooperação com cláusulas de confidencialidade, de saída, de responsabilidade, e de governança interna entre as partes.

Conceitos-chave da prática: consórcio x grupo de sociedades x joint venture

Ao tratar de cooperação entre empresas, é importante distinguir entre alguns arranjos jurídicos que costumam aparecere no dia a dia das operações empresariais. Abaixo, seguem definições simplificadas para orientar a leitura, sem perder o foco na legislação vigente:

  • Consórcio entre S.A.s: acordo de cooperação pontual ou continuado entre duas ou mais sociedades anônimas para alcançar um objetivo específico, sem a criação de uma nova pessoa jurídica. As responsabilidades, aportes e partilha de resultados costumam ser definidas por um contrato de consórcio com cláusulas detalhadas, assegurando que cada parte mantenha sua autonomia patrimonial.
  • Grupo de sociedades: conjunto de empresas que possuem relação de controle ou de participação acionária que permite coordenar políticas estratégicas, governança e decisões relevantes. O grupo pode operar com uma liderança centralizada (controladora) que, em geral, exerce influência sobre as sociedades do grupo, sem necessariamente dissolver a personalidade jurídica de cada uma. A lei e a jurisprudência reconhecem que, em determinadas circunstâncias, pode haver responsabilidade solidária ou desconsideração da personalidade jurídica, especialmente quando há abuso de personalidade ou confusão patrimonial.
  • Joint venture: parceria entre empresas para explorar uma nova atividade estratégica, geralmente envolvendo a criação de uma nova entidade jurídica específica para o projeto, com participação de cada sócio e regras de governança próprias. Embora semelhante ao consórcio em termos de cooperação, a joint venture tipicamente resulta em uma pessoa jurídica separada, o que altera a dinâmica de responsabilidade e fluxo de caixa.
  • Sociedade em conta de participação (SCP): figura prevista no direito civil que pode ser usada para apoiar projetos com participação de investidores ativos e passivos. A SCP não tem personalidade jurídica própria, seus resultados são repassados aos sócios, e a gestão pode ser exercida por apenas um sócio participante, com a participação dos demais na distribuição de lucros.

Implicações práticas: governança, responsabilidade e due diligence

Quando empresas decidem atuar em consórcio sob a égide da Lei das S.A., várias implicações operacionais e jurídicas surgem. A seguir, destacam-se pontos centrais que costumam pautar a prática profissional de consultores, advogados corporativos e equipes de compliance:

  • Governança compartilhada: é essencial estabelecer, com antecedência, quem figura como órgão decisório no âmbito do consórcio (comitê gestor, representantes de cada participante, regras de quorum e voto), bem como as competências de cada um. A governança precisa ser transparente para evitar conflitos de interesse, facilitar a tomada de decisão e reduzir riscos de desvio de finalidade.
  • Transparência e prestação de contas: a clareza sobre aportes, responsabilidades, prazos e metas do projeto é indispensável. Relatórios periódicos, com demonstrações de resultados parciais, ajudam a manter a confiança entre as partes e a demonstrar cumprimento de obrigações perante terceiros, como clientes, autoridades públicas e credores.
  • Risco e responsabilidade: a estrutura contratual deve prever a assunção de riscos por cada parte, a limitação de responsabilidades, a distribuição de perdas e a forma de solução de controvérsias. Em cenários de desconsideração da personalidade jurídica, a jurisprudência admite a responsabilização de controladores ou de empresas integrantes quando há abuso de personalidade, confusão patrimonial ou desvio de finalidade.
  • Due diligence e compliance: atividades de due diligence são recomendadas para mapear passivos, contingências, créditos tributários e trabalhistas, bem como para verificar a saúde financeira das empresas envolvidas. Programas de compliance corporativo ajudam a mitigar riscos de condutas que possam justificar responsabilização.

Tabela de comparação: elementos-chave entre arranjos de cooperação

AspectoConsórcio entre S.A.sGrupo de sociedadesJoint venture (nova entidade)
Natureza jurídicaAcordo de cooperação sem criação de nova pessoa jurídicaSujeito a controle/participação entre sociedades com autonomia de patrimônioNova entidade jurídica criada para o projeto
PatrimônioPatrimônios distintos; possibilidade de regras de repartiçãoPatrimônios separados, com relação de controlePatrimônio da nova entidade específico ao projeto
Riscos e responsabilidadesRiscos atribuídos por contrato; responsabilidade entre participantesPodem ocorrer responsabilizações solidárias ou desconsideração em casos de abusoResponsabilidade da nova entidade, com limitações internas previstas no acordo
GovernançaÓrgãos e cláusulas definidos no acordoGovernança grupal, com centralização de decisões estratégicasGovernança própria da joint venture

Aspectos jurídicos adicionais: desconsideração da personalidade jurídica e limitações

Um dos grandes desafios em estruturas de cooperação envolvendo várias sociedades é a eventual desconsideração da personalidade jurídica. O mecanismo, previsto no direito brasileiro, permite que credores, em situações de abusos de personalidade ou confusão patrimonial, tenham acesso ao patrimônio dos sócios ou controladores. Em consórcios entre S.A.s, a possibilidade de desconsideração depende da demonstração de que a estrutura foi utilizada com finalidades fraudatórias ou para desviar bens para favorecer determinado grupo, em detrimento de credores ou da própria finalidade contratual. Assim, mesmo mantendo a autonomia patrimonial de cada empresa, a tutela de credores pode pressionar as partes a adotar cláusulas contratuais mais rígidas, auditorias independentes e políticas de compliance mais robustas. Do ponto de vista da Lei das S.A., a governança eficaz, a segregação de funções e a transparência informativa são ferramentas importantes para minimizar riscos de responsabilização indevida e para manter a integridade da operação.

Casos comuns na prática e orientações

Em muitos cenários, o consórcio entre empresas pode surgir para cumprir contratos de grande complexidade, como obras de infraestrutura, projetos de tecnologia ou serviços que exigem competências complementares. Alguns elementos práticos costumam acompanhar esse tipo de operação:

  • Elaboração de acordos de cooperação com cláusulas claras de participação nos resultados, responsabilidades, prazos, e mecanismos de resolução de disputas.
  • Definição de um plano de governança com comitês técnicos e estratégicos, regras de quorum e atualização de informações aos stakeholders.
  • Estabelecimento de cláusulas de saída, em especial para situações de mudança de mercado, descumprimento contratual ou dificuldades financeiras das partes.
  • Necessidade de auditorias independentes e de monitoramento contínuo para manter a confiabilidade das informações prestadas pelos participantes.

Em termos de governança corporativa, a gestão de conflitos de interesse também merece atenção especial: é comum que cada participante tenha objetivos e metas distintas; por isso, é fundamental que o contrato de consórcio distinga claramente os interesses de cada parte e crie salvaguardas para evitar que decisões estratégicas sejam capturadas por um único grupo de acionistas. A transparência de informações, a independência de auditoria e a observância de normas de compliance são medidas que ajudam a preservar a integridade da cooperação e a reduzir riscos jurídicos e operacionais.

Além disso, é relevante considerar a tributação aplicável a cada participante no contexto do consórcio. Embora o consórcio não crie uma pessoa jurídica única, as operações podem gerar impactos em impostos sobre lucros, retenções na fonte, contribuições previdenciárias e obrigações trabalhistas. A orientação de contadores e advogados tributários é indispensável para evitar erros de informação e para distribuir corretamente as responsabilidades fiscais entre as empresas envolvidas.

Reflexões finais: quando vale a pena optar por consórcio sob a Lei das S.A.

Optar por um consórcio entre empresas sob o guarda-chuva da Lei das S.A. pode ser uma opção estratégica para cumprir contratos complexos, compartilhar know-how e reduzir custos por meio da cooperação. Contudo, essa escolha exige planejamento cuidadoso, com ênfase em governança, accountability e salvaguardas jurídicas. A estrutura contratual precisa ser cuidadosamente desenhada para refletir o objeto do consórcio, as regras de participação, a distribuição de resultados e as responsabilidades perante terceiros. A Lei das S.A. oferece o arcabouço para que esse tipo de cooperação ocorra de maneira responsável e previsível, desde que as partes mantenham a autonomia de cada sociedade, aceitem compromissos claros e protejam os interesses de credores, clientes e demais stakeholders. Em resumo, o sucesso de um consórcio entre S.A.s está, em grande medida, na qualidade dos acordos firmados e na disciplina de gestão que cada participante traz para a parceria.

Para entender como as soluções de proteção e gestão de riscos podem apoiar esse tipo de operação, procurar por orientação especializada é essencial. Um planejamento adequado de governança, compliance e controle de riscos ajuda a reduzir surpresas negativas ao longo do caminho.

Ao final, quem atua com consórcios entre empresas deve pensar na continuidade do negócio e na proteção de ativos. A Lei das S.A. oferece o modelo, mas é na prática de governance, na diligência de due diligence e na transparência que se constrói a confiança necessária para que a cooperação alcance seus objetivos com segurança e solidez. Quem coordena uma estrutura desse tipo precisa considerar não apenas a viabilidade técnica do projeto, mas também a saúde jurídica das relações entre as partes, a proteção de terceiros e a conformidade com regulações setoriais. A cooperação bem estruturada pode ampliar capacidades, acelerar entregas e potencializar a criação de valor, desde que haja equilíbrio entre autonomia societária e responsabilidades compartilhadas.

Se você está envolvido em um consórcio corporativo ou planeja estruturar uma parceria entre S.A.s, vale avaliar as estratégias de proteção e governança que melhor atendem às suas necessidades. Faça uma análise cuidadosa de governança, cláusulas contratuais, mecanismos de controle e, principalmente, das obrigações legais que cercam cada participante. Com a orientação certa, o consórcio pode se tornar um catalisador de inovação, eficiência e crescimento sustentável para as empresas envolvidas.

Para entender como a GT Seguros pode apoiar a gestão de riscos desse tipo de operação e oferecer soluções de proteção adequadas às necessidades de consórcios entre empresas, solicite já uma cotação com a GT Seguros e descubra opções sob medida para a sua realidade de negócios.