Desvendando o arcabouco legal do consórcio entre empresas no Brasil
O consórcio de empresas é uma forma de cooperação entre organizações para alcançar objetivos comuns, como a execução de obras, a prestação de serviços ou a participação em licitações, mantendo a autonomia de cada participante. No Brasil, a legislação não oferece um único diploma específico para todos os cenários de consórcio; ao contrário, o tema é atravessado por diferentes normas que tratam de contratos, sociedades, tributos e, sobretudo, licitações públicas. Esse mosaico normativo exige cuidado na composição de estruturas, na definição de responsabilidades e na governança do grupo, para que a operação seja segura, eficiente e em conformidade com as regras aplicáveis. Compreender esse arcabouço é essencial para empresas que desejam formar ou participar de um consórcio com segurança jurídica.
Conceitos-chave e estruturas típicas
Um consórcio de empresas é, essencialmente, um acordo de cooperação entre duas ou mais organizações que decidem Trabalhar juntas para alcançar uma finalidade comum, sem que necessariamente ocorra a fusão ou a criação de uma nova entidade. Existem, no Brasil, diferentes formas de estruturar esse arranjo, que variam quanto à personalidade jurídica, à governança e à forma de responsabilização pelos resultados. A despeito das particularidades práticas, é comum que o consórcio tenha pelo menos dois elementos básicos: um objeto definido (por exemplo, executar uma obra ou vencer uma licitação) e uma forma de governança que coordene as atividades entre os participantes, com regras claras sobre responsabilidades, prazos e recursos.

A adoção de uma estrutura adequada depende do contexto do projeto, do volume de recursos envolvidos e do nível de risco que as empresas desejam compartilhar. Em muitos casos, as organizações optam por manter a autonomia, formando o que se chama de consórcio simples, com a gestão centralizada por um representante ou comitê. Em outras situações, especialmente quando o contrato envolve grandes montantes e prazos extensos, as empresas criam uma sociedade de propósito específico (SPE) ou outra pessoa jurídica de apoio, para atribuir personalidade jurídica própria ao consórcio e facilitar a administração de ativos, garantias e responsabilidades. A escolha entre um modelo sem personalidade jurídica e um modelo com personalidade jurídica impacta aspectos cruciais: tributação, responsabilidade civil, credibilidade perante o mercado e mecanismos de garantia contratual.
Outra dimensão relevante é a atuação do consórcio em licitações públicas. Em linhas gerais, a participação em licitações pode ocorrer por meio de um consórcio simples ou por meio de uma SPE. Nesses cenários, as regras de habilitação, de qualificação econômica e financeira, bem como as garantias exigidas, devem ser atendidas de forma conjunta pelas empresas participantes ou pela entidade criada. Para projetos de grande porte ou com exigências técnicas específicas, a formação de uma SPE pode facilitar a gestão de garantias, o fluxo de caixa, a alocação de recursos humanos e a responsabilidade sobre entregas técnicas.
A terminologia pode variar conforme o setor (construção, indústria, tecnologia, serviços) e conforme o objetivo do consórcio. O que não muda é a necessidade de um acordo escrito que detalhe o objeto, a duração, as regras de governança, a repartição de lucros e prejuízos, a forma de tomada de decisões, a administração de contratos, as responsabilidades trabalhistas e a gestão de riscos. A clareza contratual, aliada ao devido registro das estruturas societárias quando houver SPE, é o que confere previsibilidade jurídica ao arranjo.
Marco legal e regulamentação
O marco regulatório do consórcio de empresas no Brasil não se limita a um único diploma. Em termos práticos, o arcabouço envolve, entre outros componentes, dispositivos do direito societário, do direito contratual e das normas que regem licitações e contratos com a esfera pública. O funcionamento do consórcio, especialmente quando envolve obras, serviços ou compras para órgãos públicos, precisa observar o regime de licitações vigente no país. A legislação de licitações brasileira passou por reformulações importantes nos últimos anos, com a adoção de novos marcos legais que buscam simplificar procedimentos, ampliar a competitividade e reduzir custos, sem abrir mão da fiscalização, da transparência e da responsabilização.
Além disso, a estrutura escolhida pelo consórcio impacta diretamente a aplicação de normas civis e comerciais. Em um consórcio sem personalidade jurídica, as empresas participantes respondem pelas obrigações decorrentes do acordo de forma direta, conforme o combinado contratualmente, e eventuais garantias podem recair sobre cada participante de forma solidária, conforme o que for estipulado no contrato. Já em uma SPE, a personalidade jurídica própria pode facilitar a segregação de ativos, a apuração de tributos e a gestão de responsabilidades, ainda que aumente a complexidade administrativa e contábil. Nesses cenários, é comum que haja advice jurídico para estruturar o contrato social, as cláusulas de adesão, as regras de governança, as responsabilidades e a distribuição de lucros, além de considerar a necessidade de uma federação de garantias para assegurar o cumprimento contratual.
A modernização do regime de licitações, em especial com a promulgação de novas normas, também influencia o modo como consórcios de empresas são procurados e avaliados pelos entes públicos. A Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/2021) trouxe diretrizes que afetam a formação de consórcios para contratos públicos, incluindo critérios de habilitação, regime de execução, garantias, governança contratual e transição entre fases do empreendimento. Embora a transição entre a antiga lei (Lei 8.666/1993) e a nova legislação tenha sido gradual, é essencial que as empresas estejam atentas às exigências vigentes no momento da contratação para evitar inconformidades que possam comprometer a validade do contrato ou a responsabilização solidária entre participantes.
Além do regime de licitações, o consórcio envolve normas de direito civil, societário e tributário. Em termos de contabilidade, a SPE, por exemplo, constitui uma entidade com patrimônio próprio, sujeita a contabilidade consolidada e a obrigações acessórias específicas. Em contraste, o consórcio simples requer correspondência entre as cláusulas contratuais e as operações realizadas pelas empresas integrantes, sem a criação de uma personalidade jurídica distinta. Do ponto de vista fiscal, a natureza jurídica do consórcio pode alterar a forma de recolhimento de tributos, a incidência de contribuições, bem como a responsabilidade solidária por tributos devidos pelo negócio como um todo. Daí a importância de uma assessoria contábil e tributária que oriente a escolha estrutural mais adequada ao projeto e às necessidades de cada empresa.
Modelos de atuação e estruturas
- Consórcio simples (sem personalidade jurídica): as empresas permanecem autônomas e mantêm suas cadeias de comando próprias. A gestão pode ser centralizada em um representante comum, com um acordo de cooperação que define o objeto, o prazo, as responsabilidades e o rateio de custos. A responsabilidade por obrigações contratuais pode ser solidária, conforme previsão contratual, ou limitada às obrigações de cada participante, dependendo do que for pactuado. Este modelo oferece flexibilidade e menos formalidades administrativas, mas demanda alta clareza contratual para evitar conflitos e para facilitar a cobrança de garantias quando necessário.
- Consórcio com personalidade jurídica (SPE ou outra entidade): neste arranjo, o consórcio cria uma sociedade de propósito específico ou outra forma jurídica que detenha patrimônio próprio, ajustando governança, responsabilidades e responsabilidades fiscais de forma separada das empresas participantes. A SPE facilita a gestão de garantias, o fluxo de caixa e a responsabilização em termos de patrimônio, mas envolve custos elevados de constituição, manutenção contábil e governança. É comum em projetos de grande vulto ou com exigências técnicas elevadas, onde a segregação de risco e ativos é estratégica.
- Consórcio para licitações públicas: quando o objetivo é vencer contratos com o poder público, o consórcio precisa observar os requisitos de habilitação, qualificação econômica-financeira, regularidade fiscal e apresentação de garantias previstas na legislação aplicável. A forma elegante de estruturar esse consórcio pode depender da natureza do edital, do montante de recursos e da necessidade de repartir responsabilidades entre as empresas litigantes. Em alguns casos, a formação de uma SPE para embasar o contrato público pode oferecer maior robustez jurídica e financeira para a execução do objeto licitado.
- Consórcio para obras privadas: em projetos privados, as empresas podem optar por manter autonomia e, ao mesmo tempo, partilhar responsabilidades, recursos humanos e materiais, de forma a melhorar eficiência e timeliness. Mesmo nesse cenário, é recomendável pactuar de forma explícita a titularidade de ativos, a gestão de subcontratações, a cadeia de suprimentos e a responsabilidade pela qualidade das entregas. Um acordo bem estruturado evita duplicidade de recursos, mal-entendidos de prazos e disputas técnicas ou comerciais.
Governança, responsabilidades e cláusulas contratuais
A governança de um consórcio é o eixo que sustenta a operabilidade do arranjo. Independentemente de a estrutura ser simples ou envolver uma SPE, é fundamental estabelecer: (i) objeto e prazo, com metas mensuráveis e critérios de aceitação; (ii) governança e tomada de decisão, com comitês, representantes legais e regras de voto; (iii) responsabilidades de cada participante, incluindo a alocação de funções técnicas, administrativas e financeiras; (iv) mecanismos de controle de qualidade, auditoria e compliance; (v) regras de confidencialidade, propriedade intelectual e uso de know-how; (vi) garantias, seguros e cobertura de riscos; (vii) distribuição de lucros e de prejuízos; (viii) condições de saída, resolução de conflitos e eventual liquidação do consórcio. É comum que os contratos prevejam um administrador ou um comitê gestor com poderes limitados, bem como mecanismos de consenso para decisões estratégicas e para a gestão de alterações no objeto contratado.
Outro ponto-chave é a gestão de riscos. Os consórcios devem mapear riscos técnicos, financeiros, regulatórios e operacionais, definindo planos de mitigação, seguros apropriados e responsabilidade por falhas ou atrasos. Em particular, a integridade de garantias e a suficiência de garantias contratuais são aspectos críticos para quem atua em licitações ou em grandes contratos de entrega de serviços e obras. Além disso, a cláusula de responsabilidade solidária (quando prevista) precisa ser cuidadosamente redigida, para evitar que uma empresa assuma obrigações que não cabem a ela, ou, ao contrário, para que as garantias sejam proporcionais ao nível de envolvimento e aporte de cada participante.
Implicações tributárias e trabalhistas
A forma como o consórcio é estruturado influencia diretamente a carga tributária e as obrigações trabalhistas. Em consórcios sem personalidade jurídica, as empresas respondem de modo direto por tributos deponíveis no âmbito do acordo, bem como pelas obrigações trabalhistas relacionadas às atividades executadas no âmbito do objeto do consórcio. A repartição de receita, o rateio de custos e o regime de apuração de impostos podem exigir um contábil conjunto capaz de consolidar resultados e apurar tributos em função da participação de cada empresa. Em contrapartida, quando se adota uma SPE, a tributação recai sobre a pessoa jurídica criada, o que pode facilitar a gestão de encargos, mas também acarreta obrigações fiscais próprias, com demonstrações financeiras consolidadas, apurações de tributos pela entidade e respectivo recolhimento, além de obrigações acessórias que exigem controles rigorosos.
Do ponto de vista trabalhista, a relação entre as empresas participantes e seus colaboradores pode exigir uma abordagem cuidadosa. Em consórcios sem personalidade jurídica, a empresa contratante é, em última instância, quem responde pelas obrigações trabalhistas diretas com seus próprios empregados, bem como pelas obrigações trabalhistas relacionadas a atividades executadas no âmbito do objeto do consórcio. Em estruturas com SPE, pode haver a necessidade de pactuar explicitly a transferência de colaboradores, a cessão de mão de obra ou a terceirização de serviços, sempre com observância das normas laborais vigentes. A conformidade com normas de segurança, saúde ocupacional e responsabilidade social é essencial em todos os modelos, para evitar passivos trabalhistas, concorrência desleal e disputas contratuais.
Casos práticos e considerações de conformidade
Para ajudar na compreensão, consideremos alguns cenários práticos comuns. Em um consórcio que atua em licitação pública de grande porte, a preparação de propostas exige, entre outros elementos, uma governança robusta, garantias adequadas e uma demonstração clara da capacidade técnica e financeira de cada participante. A escolha entre manter a autonomia das empresas ou constituir uma SPE dependerá da complexidade do contrato, do regime de responsabilidade desejado e da necessidade de segregação de ativos. Em projetos de infraestrutura, por exemplo, a SPE pode facilitar a captação de garantias de performance, a alocação de ativos estratégicos e a gestão de contingências, desde que haja um acordo bem delineado sobre a responsabilidade de cada sócio, o fluxo de caixa, a governança financeira e a eventual venda de participação.
Outro aspecto relevante é a conformidade com as regras de licitação e com as exigências de habilitação. A formação de um consórcio deve prever procedimentos de auditoria, a verificação de regularidade fiscal e trabalhista, bem como a observância de normas de integridade e combate à corrupção. A gestão de contratos também é
