Lei 13.303/2016: governança, licitações e contratos das estatais em foco

A Lei nº 13.303, de 2016, é o marco regulatório que define o regime jurídico específico para as instrumentais empresas estatais brasileiras — públicas, sociedades de economia mista e suas controladas. Instituída com objetivo de ampliar a governança, aumentar a transparência, estabelecer padrões de licitação e contratações, e fortalecer a gestão de riscos, a norma veio para alinhar a atuação dessas organizações com as expectativas de responsabilidade pública e eficiência administrativa. Em termos práticos, ela impõe regras que afetam desde a composição de conselhos e diretores até a forma como as contratações com o setor privado são conduzidas, passando pela exigência de controles internos robustos e mecanismos de compliance. Este artigo percorre os principais aspectos da lei, explicando o que ela diz, como é aplicada e por que isso importa para quem atua no ecossistema de seguros, gestão de ativos e contratos com o setor público.

Abrangência e objetivos da Lei 13.303/2016

A Lei 13.303/2016 estabelece um regime específico de governança para as entidades estatais, incluindo empresas públicas, sociedades de economia mista e suas controladas, quando atuam na esfera econômica. Sua aplicação não se resume a formalidades administrativas: ela busca assegurar que as decisões estratégicas, operacionais e de conformidade sejam tomadas com clareza, responsabilidade e rastreabilidade. Entre os objetivos centrais estão reduzir custos desnecessários, evitar distorções em processos de contratação, melhorar a qualidade dos serviços prestados e favorecer uma gestão voltada para resultados, dentro de parâmetros de integridade e transparência.

O Que Diz a Lei 13.303 de 2016?

É relevante salientar que a lei não se aplica a entidades privadas sem controle público; no entanto, para as estatais, ela regula um conjunto de práticas que atravessam todas as fases da vida institucional: planejamento estratégico, governança corporativa, gestão de riscos, controles internos, auditoria, compliance e licitações. Em termos práticos, isso significa que cada decisão relevante pode exigir uma avaliação de riscos, pareceres de conformidade, e, muitas vezes, aprovação de estruturas colegiadas, com o objetivo de evitar desvios, fraudes e danos à imagem institucional.

Princípios e governança: o que a lei prioriza

  • Transparência na gestão e nas contratações, com divulgação de informações relevantes para o público.
  • Governança corporativa fortalecida, com mecanismos de accountability entre Conselho de Administração, Direção Executiva e órgãos de controle.
  • Compliance e integridade como pilares da atuação, com políticas anticorrupção, canais de denúncia e due diligence em fornecedores.
  • Gestão de riscos integrada ao desempenho institucional, incluindo monitoramento de contratos, controles internos e avaliação de impactos financeiros e regulatórios.

Para as estatais, a adoção de um programa de integridade robusto é um elemento central. Essa prática reduz riscos de irregularidades e fortalece a confiança de investidores, públicos e fornecedores.

Estrutura de governança e órgãos previstos na lei

A Lei 13.303/2016 estabelece, de modo geral, uma arquitetura de governança que envolve o Conselho de Administração, a Diretoria Executiva e órgãos de apoio, como Auditoria Interna, Ouvidoria e comitês de auditoria, risco e compliance. A composição e as competências de cada órgão variam conforme o porte, o tipo de entidade e o regulamento próprio de cada estatal, mas a lógica é comum: definir diretrizes estratégicas, supervisionar a gestão, assegurar a conformidade com a legislação e com as políticas internas, e monitorar o desempenho frente aos objetivos institucionais.

A seguir, uma visão simplificada dos principais elementos de governança apoiados pela lei:

ElementoFunçãoObservação
Conselho de AdministraçãoDefinir diretrizes estratégicas, supervisionar a gestão e aprovar planos relevantesPode exigir membros independentes conforme regulamento interno
Diretoria ExecutivaGestão operacional, implementação das políticas, gerenciamento de recursosResponde ao Conselho pelos resultados e pela conformidade
Auditoria InternaAvaliar controles, riscos e governança; emitir recomendaçõesInterage com o Conselho e com as áreas de gestão
Comitês (Risco, Compliance, etc.)Fazer o acompanhamento específico de áreas críticasApoio decisivo para decisões complexas e mitigação de riscos

Essa estrutura não é meramente formal; ela impõe procedimentos para a tomada de decisão, o controle de despesas, a avaliação de fornecedores, a gestão de contratos e a verificação de resultados. Além disso, a lei incentiva a implantação de mecanismos de controle interno e de auditoria independente, reconhecendo que a eficácia da governança depende da qualidade das informações, do monitoramento contínuo e da capacidade de corrigir rumos quando necessário.

Licitações, contratos e gestão de compras: como a lei regula as Aquisições

Um dos pilares da Lei 13.303/2016 é estabelecer um regime claro para contratações com terceiros, buscando equilíbrio entre competitividade, economia e qualidade. Em termos práticos, isso significa que as estatais devem estruturar processos licitatórios com etapas bem definidas: planejamento, seleção de propostas, negociação, habilitação, julgamento e formalização de contratos. A lei também prevê regras específicas para modalidades de licitação, critérios de julgamento, critérios de habilitação e controles sobre despesas com contratações. Em especial, os contratos envolvendo recursos públicos exigem maior rigor na avaliação de riscos, na verificação de conformidade e na supervisão de desempenho.

É importante destacar que, mesmo dentro desse arcabouço, a lei prevê hipóteses de dispensas ou inexigibilidades de licitação, desde que devidamente justificadas com base na legislação e nos controles institucionais. A ideia central é evitar atrasos desnecessários, reduzir possibilidades de favorecimento e assegurar que as contratações sigam critérios objetivos de julgamento e de benefício público. Ao mesmo tempo, a norma encoraja o uso de contratos que incluam cláusulas de garantia de desempenho, de responsabilidade social e de compliance — elementos que ajudam a alinhar fornecedores e prestadores de serviço aos padrões exigidos pela administração pública.

Para o setor de seguros, essa seção da lei tem impactos diretos na forma como as garantias, obras, ativos e serviços são protegidos. A gestão de riscos vinculada a contratos com o poder público muitas vezes envolve seguros de responsabilidade civil, garantia de contratos, seguro de obras e de equipamentos, além de apólices para riscos de interrupção de atividade. O gerenciamento adequado dessas apólices precisa considerar não apenas o custo, mas também a adequação à natureza do contrato, aos requisitos de cobertura exigidos pela estatal e aos prazos de vigência contratual.

Transparência, controles e compliance: direção regulatória da atuação estatal

A Lei 13.303/2016 reforça a necessidade de transparência e de controles internos como componentes centrais da governança. Entre as práticas recomendadas ou exigidas pela norma estão a divulgação de informações sobre governança, contratações, desempenho, riscos e resultados, bem como a implementação de políticas de integridade, de gestão de riscos e de canais de denúncia que permitam a identificação de irregularidades, abuso de poder ou conflitos de interesse. A prestação de contas não fica restrita aos relatórios anuais: envolve também a divulgação de dados relevantes nos portais institucionais, nas informações públicas sobre contratos e nos demonstrativos de desempenho, de forma acessível para a sociedade.

Para quem atua no ecossistema de seguros, isso significa que as seguradoras e os tomadores precisam estar atentos a exigências de comprovação de apólices, garantias, apuração de sinistros e conformidade com cláusulas contratuais que possam ter implicações legais. A conformidade não é apenas uma obrigação legal: é uma prática que melhora a qualidade das decisões, reduz disputas e facilita a comunicação com a estatal durante o ciclo de contratação, execução e encerramento de contratos.

Para as entidades, destaca-se a importância de ter um programa de compliance estruturado, com políticas anticorrupção, treinamento periódico, due diligence de fornecedores e mecanismos independentes de fiscalização. Em termos práticos, isso implica manter registros de decisões, fiscalizar conflitos de interesse, monitorar contratos com cláusulas de integridade e assegurar que todos os atos relevantes sejam auditados e aprovados pelas instâncias competentes.

Implicações práticas para o mercado de seguros e gestão de riscos

O arcabouço da Lei 13.303/2016 impacta diretamente como seguros são pensados na relação com empresas estatais. Em primeiro lugar, a gestão de risco passa a exigir um alinhamento maior entre as políticas de seguros da estatal e as exigências contratuais do setor público. Isso inclui entender as coberturas mínimas exigidas, a periodicidade de prêmios, a necessidade de garantias de performance e a forma de acompanhar sinistros em contratos com prazos longos. Em segundo lugar, há uma demanda crescente por transparência na comunicação de riscos: as seguradoras precisam disponibilizar informações claras sobre cobertura, exclusões, limites, vigência e condições de renovação para facilitar a governança e a tomada de decisão pela estatal.

Além disso, as contratações com o setor público costumam exigir avaliações de risco específicas, que podem incluir a revisão de demonstrações financeiras da seguradora, a solidez de reservas técnicas e a avaliação de índices de solvência. Em termos de oportunidades, as estatais tendem a buscar produtos de seguro com coberturas adaptadas para obras, ativos, responsabilidade civil, riscos de construção, fianças e garantias, bem como soluções de seguro de responsabilidade de terceiros e de interrupção de atividade. Para as corretoras de seguros, compreender esse ambiente regulatório facilita a proposição de soluções integradas que atendam tanto à conformidade quanto à proteção efetiva do patrimônio estatal e da operação contratada.

Como as entidades podem cumprir a Lei 13.303/2016: caminhos práticos

Adotar a Lei 13.303/2016 de forma efetiva envolve um conjunto de ações estruturadas. A seguir, passos práticos que costumam compor o caminho de conformidade em estatais:

  • Mapear os processos de governança existentes e identificar lacunas em controles internos, compliance e gestão de riscos.
  • Estabelecer ou fortalecer comitês de governança, risco e compliance, com relatórios regulares ao Conselho de Administração.
  • Implantar políticas anticorrupção, código de conduta, mecanismos de denúncia e due diligence rigorosa para fornecedores e parceiros.
  • Planejar e executar treinamentos periódicos para colaboradores e gestores, enfatizando ética, integridade e conformidade regulatória.

Para quem atua no ramo de seguros, é essencial estabelecer uma comunicação clara com as unidades contratantes, mantendo documentação completa de todas as etapas de contratação, apólices, garantias, sinistros e renovações. A padronização de processos de avaliação de risco de contratos ajuda a reduzir atrasos, falhas de conformidade e litígios, além de facilitar auditorias internas e externas.

Desafios comuns e estratégias de melhoria

Entre os desafios mais frequentes estão a necessidade de alinhamento entre diferentes áreas (jurídica, financeira, operação e compliance), a tradução de requisitos regulatórios em práticas diárias efetivas e a gestão de ciclos de contrato que podem se estender por anos. Estratégias eficientes costumam incluir controles de aprovação com trilhas de auditoria (who, what, when), a adoção de indicadores de performance (KPIs) para contratos e a revisão periódica de políticas, com atualização diante de mudanças legislativas ou regulatórias. O foco em dados, evidências e registros também reduz pontos cegos que costumam gerar questionamentos ou revisões atrasadas.

Em termos de comunicação, é fundamental manter um canal aberto entre a estatal e seus fornecedores, especialmente no que tange a esclarecimentos de cláusulas, expectativas de desempenho e prazos de entrega. A clareza de responsabilidades, aliada a uma documentação consistente, é uma das melhores defesas contra disputas contratuais e problemas de sinistralidade.

Para o setor de seguros, o aprendizado contínuo sobre o funcionamento dessas entidades facilita a proposição de soluções sob medida, com coberturas que respondam aos riscos específicos de cada contrato, ao tempo de vigência do acordo e às exigências de compliance da estatal. Empresas que observam de perto as regras de governança da 13.303/2016 tendem a oferecer propostas mais alinhadas com as necessidades da contratante, com menor probabilidade